A primeira grande entrevista na Corda Bamba – Laura Taves, por Fabiano Maciel

23 de fevereiro de 2023

No início dos anos 2000 a arquiteta e artista LAURA TAVES trocou uma promissora carreira em Londres por uma vida na corda bamba no Rio de Janeiro. Hoje, ela comemora os 20 anos do seu atelier Azulejaria e inaugura AS GRANDES ENTREVISTAS NA CORDA BAMBA!



O edifício Colorium em Dusseldorf projeto de William Alsop

O que te fez abandonar um estágio com um arquiteto inglês super bamba e voltar para a cidade de São Sebastião crivado do Rio de Janeiro?

Eu fazia estágio no escritório do arquiteto William Alsop. Na porta da frente ficava o estúdio da Vivienne Westwood e muitas vezes eu começava o dia encontrando aquela figura na porta ou no mercadinho embaixo do prédio. Na esquina ficava o pub e o escritório do Norman Foster. Havia uma certa informalidade, uma coisa meio avacalhada. Embora o trabalho fosse sério. Eu estava num esquema meio fodidos e privilegiados. Eu tinha um estágio e a possibilidade de empréstimo pra continuar pagando a universidade. Mas alguma coisa me fez voltar. No fundo, o meu desejo estava muito mais ligado à vontade de trabalhar com as pessoas do que com a materialidade da arquitetura. Eu tinha esse sonho, quando eu entrei na faculdade, esse sonho modernista de que a arquitetura pode mudar a vida do homem, que a arquitetura pode transformar as coisas… então acho que essa coisa que me fez voltar e em Londres me sacaneavam, me chamavam de missionária. Sim, eu tinha uma missão, um espírito muito mais de um trabalho coletivo do que num escritório projetando ou decorando casas.


É difícil pensar em uma “informalidade londrina”, do mesmo modo que é praticamente impossível pensar numa “formalidade carioca”.

Quando eu voltei eu tinha que terminar a faculdade de qualquer forma, mesmo sabendo que não era exatamente arquitetura que eu queria fazer. Eu precisava ter pelo menos um diploma. E pra pagar a faculdade trabalhar em loja era mais lucrativo do que estagiar em algum escritório de arquitetura. Eu tinha ótimos professores que estavam atuando na zona portuária, formulando o que viria a ser depois o Porto Maravilha. Um deles, o Augusto Ivan tentou criar o corredor cultural, era uma turma que estava pensando em políticas públicas de preservação e que tinham um interesse histórico na cidade. Não conseguiram muito, mas o que conseguiram foi bem importante.

A arquitetura brasileira tem uma herança direta dos portugueses na utilização de azulejos, tanto nas casas quanto nos prédios públicos. Como é que surgiu o seu desejo de trabalhar com azulejaria? 

Um dia eu fui assistir uma palestra de uma artista belga, a Françoise Schein. Havia apenas quatro pessoas na plateia, apesar dela já ser famosa por ter vencido no final dos anos 80, uma concorrência para estação de metrô da Concórdia de Paris, perto do Obelisco. Ela resolveu usar o azulejo porque era o material que já tinha na estação e neles ela escreveu os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela percebeu que havia um nicho para este tipo de trabalho, tanto que depois surgiram encomendas em Lisboa e outras cidades europeias. Aqui no Brasil, a Françoise apresentou um projeto de intervenção artística no Vidigal. E o Jorge Mario Jáuregui, o arquiteto que estava cuidando do Favela-Bairro por lá, topou e surgiu o convite pra eu participar. Eu fiquei encantada com essa possibilidade, de começar um trabalho em comunidades por um viés mais artístico. Enfim, ficamos amigas, ela morou um tempo na minha casa no Rio e quando eu percebi, estava trabalhando em projetos de azulejaria. Fizemos projetos em 8 favelas, em Bangu e também no metrô Siqueira Campos, em Copacabana.

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